22 de Junho – 12º Domingo do Tempo Comum - Ano C
À pergunta, no evangelho de hoje, sobre quem é Jesus, as multidões dão respostas diferentes mas todas elas elogiosas. Também hoje, dum modo geral, toda a gente diz bem de Jesus e tem-n’O em alta consideração, já sejam os cristãos já sejam muitos ateus, agnósticos ou crentes de outras religiões. Mas para nós, Jesus não é apenas mais uma personagem extraordinária da história humana… Ele é o Filho de Deus, Deus feito Homem, o modo divino de se ser pessoa a viver no planeta terra. E que modo de vida é esse? O da bondade para com todos, o do serviço para com todos os necessitados e para com toda e qualquer necessidade. «O Filho do Homem veio para servir e não para ser servido». Ele foi a misericórdia em acção e, por isso, escreveu assim o Papa Francisco: «Jesus é o rosto da misericórdia do Pai» (Misericordiae vultus, 1). Alguns, porém, não o reconheceram assim. E, há cerca de dois mil anos, feriram-n’O de morte. Então, como lembrava o profeta Zacarias, só resta lamentar-se e chorar pelo facto de O termos trespassado, isto é, todos os que de algum modo atentamos contra Jesus somos desafiados ao arrependimento, confissão do pecado e conversão.
Quanto à segunda leitura, ela contém um dos versículos mais extraordinários da Bíblia, concretamente do Novo Testamento: em Cristo, todos somos iguais, já não contam diferenças de raças (judeus ou gregos), de condição socio-económica (escravos ou homens livres), de género (homens ou mulheres). Esta é a família que Jesus veio inaugurar, esta é a fraternidade universal que Ele apresentou como projecto: todos filhos e filhas de Deus, deus como Pai e como Mãe de todos os seres humanos, nós todos verdadeiros irmãos e irmãs. Pergunta: já vivemos assim na Igreja e na sociedade…?
PARA QUANDO A ELEIÇÃO DOS BISPOS?
A 20 de Agosto de 2024, o capítulo da catedral, constituído por 13 membros do clero, abriu nas comunidades diocesanas uma ampla consulta, inspirada no processo sinodal, essencialmente online, envolvendo 173 grupos e 1305 pessoas, para reflectir sobre o perfil que deveria ter o bispo a eleger, face aos desafios da diocese no presente e no futuro. A partir de 9 de Setembro do mesmo ano, com base nas conclusões da consulta, liderada pelo Instituto Suíço de Sociologia Pastoral, sediado em Saint Gall, o capítulo da catedral chegou a uma lista de seis candidatos cujas trajetórias foram investigadas pela Nunciatura e pelo Dicastério para os Bispos, lista devolvida à diocese, sem objecções, em Abril de 2025.
A diocese de Saint-Gall, criada no século XIX, conserva esse privilégio de eleger o seu bispo. Este acontecimento levanta a seguinte problemática: o que antes era um privilégio veio a encontrar-se, em 2021, com o que tem sido trabalhado em toda a Igreja para que esta se torne uma Igreja sinodal – caminhar juntos. Isto exige a participação em todas as instâncias da diocese, a começar pelo seu bispo.
Nos primórdios do cristianismo, havia vários modelos de evangelização, para que, a partir de Jesus Cristo, se reconhecesse que a Igreja é uma união na diversidade. O que dizia respeito a todos, devia ser tratado por todos. O Espírito da Igreja vem de Deus para transformar as relações humanas, para criar um mundo fraterno, como dizia o Papa Francisco, Fratelli Tutti.
A Carta aos Efésios diz que Cristo é a nossa paz, Ele que, dos dois povos – judeus e gentios –, fez um só povo, destruindo o muro de separação, a inimizade[1]. A vocação dos baptizados é a de acabar com todos os muros. Infelizmente, muitas vezes, participam na sua construção.
O Concílio de Florença, em 1442, excluiu da salvação todos aqueles que não professaram a fé católica. A intransigência deste axioma facilitava o trabalho dos teólogos, definia as fronteiras. Este parecer, tão duro e absurdo, terminou por ser questionado, já que o testemunho da Escritura sobre a bondade de Deus é eloquente: quer que todos os seres humanos se salvem[2].
A história da Igreja já tem mais de 2 mil anos e, nesta história, encontramos fidelidades e traições a Jesus Cristo. É também a história de verdadeiras e falsas reformas, como escreveu o dominicano, Yves Congar[3].
2. O que é um bispo? É um líder religioso com responsabilidades eclesiásticas em diversas tradições cristãs, especialmente na Igreja Católica, Ortodoxa e algumas anglicanas e luteranas. De forma geral, são responsáveis pela governança e administração de uma diocese, ensinando, doutrinando, santificando e representando a Igreja.
Na 1ª Carta a Timóteo, temos uma descrição básica do que ele pensava acerca do Bispo: «É digna de fé esta palavra: se alguém aspira ao episcopado, deseja um excelente ofício. Mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar; que não seja dado ao vinho, nem violento, mas condescendente, pacífico, desinteressado; que governe bem a própria casa, mantendo os filhos submissos, com toda a dignidade. Pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará ele da igreja de Deus? Que não seja neófito, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação do diabo. Mas é necessário também que ele goze de boa reputação entre os de fora, para não cair no descrédito e nas ciladas do diabo»[4].
3. O dominicano português, Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), uma das figuras mais relevantes do Concílio de Trento (1545-1563), desenhou o que deve ser o perfil do bispo que, ainda hoje, nos questiona pela sua actualidade, Estímulo de Pastores[5]. Ficou conhecido como o bracarense por causa do permanente desassossego reformador que introduziu na última fase do Concílio de Trento e mais bracarense se tornou, na firme resistência à guerrilha que o poderoso Cabido da Arquidiocese desencadeou contra a efectivação do programa das reformas conciliares, pelas quais sempre lutou e das quais nunca desistiu.
O território da diocese de Braga era, na altura, o que está agora repartido por quatro dioceses: Viana, Braga, Vila Real e Bragança. É normal que todas se sintam herdeiras dos longos e pedregosos caminhos que Frei Bartolomeu percorreu, a pé ou na sua mula, por fidelidade ao lema episcopal que adoptara: arder e iluminar sem nunca se acomodar à desfiguração do mundo e da Igreja do seu tempo[6].
Frei Luís de Sousa (1555-1632) foi o seu exímio biógrafo[7] e Frei Raúl de Almeida Rolo (1922-2004) publicou as suas obras completas com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Como disse, D. Jorge Ortiga, o Papa Paulo VI ofereceu, no final do Concílio Vaticano II, um exemplar a cada um dos bispos que participaram no Concílio. A oferta foi o reconhecimento da sua actualidade para a renovação da Igreja em todas as coordenadas geográficas. Foi ainda um apelo a todos os bispos para que definissem as prioridades da vida pessoal e, posteriormente, concretizassem o aggiornamento que o Espírito Santo sugeria e continuava a interpelar[8].
Para Frei Bartolomeu dos Mártires era toda a Igreja que precisava mudar, do topo até à base, a começar pelos eminentíssimos cardiais que precisavam de uma eminentíssima reforma.
Os bispos não podiam, como se tornara habitual, viver regaladamente dos bens das dioceses, longe dos diocesanos e os párocos longe das suas paróquias. Tudo, na Igreja, tinha de estar ao serviço das populações, sobretudo dos mais pobres, que devem ser os preferidos da acção das dioceses, das paróquias e das ordens religiosas, varrendo todas as benesses, nepotismos e privilégios por mais antigos que se apresentassem.
Foi o Papa Francisco que autorizou a canonização de Frei Bartolomeu dos Mártires (2019). Tinha descoberto que este Bispo português, do século XVI, tinha vivido, na sua pessoa e na sua acção, o projecto da reforma da Cúria, do conjunto da Igreja e o tinha precedido no combate ao vírus do carreirismo eclesiástico. A sua vida foi um milagre. Não era preciso esperar outro para o canonizar.
Fr. Bento Domingues in Público, 15/6/2025
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).